sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sexta de AUGUSTO DOS ANJOS...

O MARTÍRIO DO ARTISTA

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe guarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz,e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!

AUGUSTO DOS ANJOS

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O nu artístico

3 fatos se cruzaram nessa minha quarta-feira chuvosa: um manifesto sobre a nudez no cinema brasileiro, o filme sobre Garrincha e a chamada de um programa de TV.

O manifesto do ator Pedro Cardoso tem levantado uma discussão antiga sobe as obras brasileiras. Não raro, ouço comentários maldosos sobre nossos filmes, fazendo referência à falta de conteúdo das obras e ao excesso de nudez apresentado por elas.
A arte não pode ser contida ou moralizada.
No entanto, a arte não pode servir de alicerce para exploração. Não pode justificar a venda do corpo, nem a massificação do sexo, palavra aqui usada no seu sentido mais amplo.
O ator foi corajoso em apresentar uma opinião que pode contariar as tendências, mas que certamente se aplica em muitos casos do cinema nacional.

O filme sobre Garrincha a que assisti essa noite é mais um caso. Concentra muitas cenas de sexo, peitos, bundas, etc. Em algum momento se faz um vazio entre a emoção que se quer dar às cenas e o caráter pornográfico explicitado no filme. Ele não emociona e não excita.

A chamada de um programa líder de audiência nas tardes de sábado e tido como familiar foi ao encontro das tendências.
O programa anuncia a atração vedete da semana: mulheres de não mais de 30 anos exibem seus corpos, alguns seminus, no corcurso em que representam equipes de futebol.

Pensei se não era apenas um pretexto da produção aquela gincana na qual uniriam o prazer do futebol ao da nudez em plena tarde de sábado.
Assim como a vida do mulherengo mas, acima de tudo, craque de bola Mané Garrincha se tornou um pretexto para rodar um filme erótico.
Por esses e por outros tantos motivos, cabe discutir e respeitar a opinião de Pedro Cardoso.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Sexta de Drummond!

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão as mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertam ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
preferiram (os delicados) morrer
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Sexta de Cecília Meireles!

OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.