sexta-feira, 17 de abril de 2009

Sexta de Camões

De amor escrevo, de amor trato e vivo;
De amor me nasce amar sem ser amado;
De tudo se descuida o meu cuidado,
Quanto não seja ser de amor cativo;

De amor que a lugar alto vôe altivo,
E funde a glória sua em ser ousado;
Que se veja melhor purificado
No imenso respelendor de um raio esquivo.

Mas ai que tanto amor só pena alcança!
Mais constante ela, e ele mais constante,
De seu triunfo cada qual só trata.

Nada, enfim, me proveita; que a esperança,
Se anima alguma vez a um triste amante,
Ao perto vivifica, ao longe mata.


Luis Vaz de Camões 1524/25 - 1580

In: 200 sonetos, editado pela L&PM, 1988.


Sexta dedicada à
poetisa Bruna Ross, que me presenteou com um livro deste mestre dos sonetos, e ao
amor, que, mesmo quando não correspondido, movimenta o que há de mais belo e
espontâneo no mundo.


Na rede: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/ResultadoPesquisaObraForm.do

domingo, 5 de abril de 2009

Domingo de Chico Buarque


Trevo retorna do mundo da lua (ou, pelo menos, tenta...)!


Chico Buarque de Hollanda já se definiu seresteiro, poeta e cantor
(Literatura Comentada, 1980).
Nessa semana, a faceta
prosador do artista voltou à cena com o lançamento do romance
Leite
Derramado
(título já criticado pelo mestre Rubem Fonseca). Enquanto não
apreciamos a obra(já reverenciada pelo mestre Luís Augusto Fischer), ou torcemos
o nariz para ela, vamos de canção!


Construção

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado